Com 10 ou 11 anos de idade, junto com o meu irmão de 2 anos mais velho que eu, fomos chamados de gatunos que assaltaram uma casa vizinha. E, por conta disso, nos colocaram numa prisão, depois de nos baterem tantas vezes com um porrinho da polícia!
Na cela mandaram-nos ficar perto da porta para facilitar a nossa respiração, pois havia uma janelinha que permitia a passagem do oxigénio e a comunicação com quem estivesse do lado de fora, e no fundo era muito escuro que não podia se ver nada, apenas sentiamos muito cheiro nauseabundo, sons de rãs e muitos mosquitos! Depois de algumas horas naquela cela, de pé num único sítio, de noite tiraram-nos daquele porco lugar para fora, na cadeia comum, onde estavam outros presos a dormir. Sem cobertores quiseram que dormissemos mesmo assim, se não fosse um preso que convidou-nos a dormir com ele na sua esteira se tapando uma única manta.
Inquieto, nosso pai, que era polícia da ordem pública, reclamou muito com os polícias de investigação, sobre a injustiça que estavam cometendo contra nós. Infelizmente, não teve sucesso, os políciais investigadores não queriam saber das palavras do velho, mesmo sendo colega!
No dia seguinte, de manhã, fomos soltos e regressamos a casa sob o olhar de desdém dos vizinhos. Pois, eles viram como fomos presos no dia anterior, acusados de roubar dinheiro (Kwanza, Dólar e Escudo) na casa do vizinho português, na altura cooperante duma empresa no país.
No dia do assalto, nós saímos cedo de casa, fomos ao Estádio Provincial vender pastilhas e rebuçados, enquanto assistíamos os treinos de futebol duma equipa local. Então, os políciais que vinham na casa do vizinho para averiguar a situação do roubo, notaram pegadas do gatuno na nossa varanda. Achando que eram pegadas de crianças e o facto de que não estávamos em casa, suspeitaram de nós. Por isso, no nosso regresso, nos pegaram e nos levaram para unidade policial onde bateram-nos para verem se pudéssemos confessar o crime.
Mais tarde, ouvimos que o gatuno foi apanhado. Era um cidadão angolano, cunhado do português, de patas pequenas por conta duma deficiência física que tinha. Assim, o português, depois veio ter com o nosso pai para pedir desculpas, trouxe algumas coisas para oferecer mas, o papá não aceitou. O senhor, envergonhado, insistiu na oferta e deixou uma nota de Kwanza para cada um de nós mais alguns pacotinhos de produtos alimentares. Infelizmente, a pobreza era tanta que acabamos de aceitar. Mas, não tínhamos dúvida que os polícias foram corrompidos pelo vizinho português, para encontrar o gatuno a bem ou a mal.
Há anos, nas ruas da minha cidade, via o português, que acabou por ficar em Angola, velhinho com problemas de fala e audição. Queria um dia puder lhe fazer recordar mas, nunca tive coragem devido ao problema dele de saúde. Hoje já não faz parte do mundo dos vivos. Que sua alma descanse em paz!
Actualmente, reconheço um dos investigadores que nos bateu muito, ele me conhece, mas acho que não sabe do acontecimento. Também não quero lhe fazer recordar para não estragar a nossa relação actual.
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